Quando defendi ontem no Twitter, às 21h43, e, depois, nesta página, às 22h59, que o
deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) tivesse decretada imediatamente a prisão, eu não
conhecia a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. Segundo se sabe
agora, ele já a havia tomado. E, igualmente, havia mandado o Youtube retirar do ar o
vídeo infame, defesa que também fiz. Não tinha nem informação privilegiada nem bola
de cristal. Tratava-se apenas do reconhecimento de um fato.
Estava caracterizado com aquele vídeo o flagrante de crime inafiançável. As acusações
pessoais contra os ministros, creio, serão tratadas em outros processos. A prisão foi
decretada porque aquele que já é investigado em dois inquéritos que correm no STF — o
das fake news e o da promoção e financiamento de atos antidemocráticos — prega
claramente um golpe de Estado, e só assim os 11 ministros do tribunal poderiam ser
depostos; faz ameaças nada veladas aos magistrados e, na prática, incita atos violentos.
Disse sonhar com ministros tomando uma surra na rua.
O Artigo 53 da Constituição, que autoriza a prisão de parlamentares em caso de flagrante
de crime inafiançável, também define no caput: "Os Deputados e Senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos." Trata-se, e já há julgado a respeito na Corte, de imunidade para o exercício da representação,não de uma licença para cometer crimes.
Jair Bolsonaro, diga-se, é réu no Supremo em duas ações penais que tiveram origem em
uma mesma declaração: por apologia do estupro — em denúncia oferecida pela
Procuradoria Geral da República — e por injúria, em ação movida pela deputada Maria
do Rosário (PT-RS). Os advogados do então deputado alegaram junto à Primeira Turma
que a afirmação do seu cliente numa entrevista, repetindo o que dissera em plenário —
não estupraria Maria do Rosário porque ela não mereceria por ser, segundo ele, muito
feia —, estaria protegida pela imunidade parlamentar.
As ações foram mantidas pelos ministros porque o entendimento vitorioso — e que me
parece o correto — definiu que a imunidade não deve servir de licença para o
cometimento de crimes. Se o leitor tem alguma dúvida, convém substituir os ilícitos
cometidos para aclarar a questão e desanuviar as ideias: a tal imunidade protegeria, por
exemplo, a defesa da pedofilia ou do homicídio profilático? Como a resposta,
obviamente, é "não", cumpre indagar: por que haveria de ser diferente com a defesa de
golpe de Estado, o incitamento ao crime ou a apologia do estupro?
Sim, o Artigo 53 também impõe que a prisão seja submetida ao crivo do plenário da Casa
em 24 horas. São necessários 254 votos para que Silveira permaneça na cadeia. Existe, é
evidente, o risco de uma decisão de caráter corporativista. A questão é saber se a
corporação de deputados ganha ou perde com a impunidade, ao menos temporária, de
Silveira, já que estou certo de que vai virar réu, será condenado, perderá o mandato, irá
para o regime fechado e ficará inelegível.
Lira deu uma declaração ambígua a respeito:"Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia. Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que
represento".
Vamos ver. Tudo aquilo que o vídeo de Silveira não tem é serenidade, responsabilidade,
respeito ao regime democrático e deferência à instituição. Logo, seu comportamento
delinquente e sua pregação golpista não podem passar impunes. Ou outros o seguirão. E
os dois anos de Lira à frente da Câmara serão uma sucessão de crises. Ele conhece o tipo
muito bem. Poucos se lembram, mas o atual presidente da Casa foi um duro crítico do
governo ao longo de 2019 e era, como estrela do Centrão, um dos alvos do bolsonarismo.
Quando o deputado fala em Constituição, espero que se lembre dos valores que ela
consagra, repudiando o golpismo. Se pretender pegar carona na "imunidade" para
justificar crimes, estará dando um tiro no próprio pé.
A Mesa da Câmara se reúne às 13 horas. Vamos ver se aposta na defesa das instituições
ou dá uma contribuição ao caos
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