Envelhecimento populacional e altas de obesidade ajudam a explicar o aumento na incidência de câncer de mama entre a população
Um levantamento realizado pela Umane, associação civil dedicada ao apoio a iniciativas de saúde pública, revelou um aumento de 86,2% na taxa de mortalidade por câncer de mama no Brasil ao longo de 22 anos. Os dados, obtidos do Sistema de Informações da Mortalidade (SIM/SUS), mostram que a taxa subiu de 9,4 para 17,5 por 100 mil habitantes entre os anos de 2000 e 2022.
De acordo com Maira Caleffi, chefe do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), essa elevação não pode ser atribuída a um único fator, mas a uma combinação de elementos interligados. Destacam-se o acelerado envelhecimento populacional do Brasil, que está alterando sua pirâmide etária, e o aumento significativo da obesidade.
O Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que a proporção de pessoas com 65 anos ou mais no Brasil alcançou 10,9% da população, representando um crescimento de 57,4% em comparação a 2010, quando essa faixa etária representava apenas 7,4% do total. Maira ressalta que o envelhecimento está diretamente relacionado ao aumento dos diagnósticos de câncer, uma vez que, com o passar do tempo, as células se tornam mais suscetíveis a mutações. No que diz respeito à obesidade, que atualmente afeta cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o tecido adiposo eleva a secreção de substâncias inflamatórias, estimulando a multiplicação de células, incluindo as cancerígenas.
O estudo também evidenciou que o aumento na taxa de mortalidade por câncer de mama ocorreu em todas as faixas etárias acima de 35 anos, com destaque para mulheres acima de 65 anos, que apresentaram um aumento de 179% nos registros. Observou-se um crescimento de 140% entre mulheres de 55 a 64 anos, 81% na faixa de 45 a 54 anos e 72% entre aquelas de 35 a 44 anos. Maira aponta que a crescente ingestão de alimentos industrializados e ultraprocessados contribui para o aumento dos índices de obesidade, elevando, consequentemente, as taxas de câncer. “O excesso de peso não apenas favorece o desenvolvimento da doença, mas também é um fator de risco para desfechos negativos”, alerta.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC), Luis Eduardo Werneck, ressalta que todos podem desenvolver células cancerígenas, mas o organismo possui mecanismos que normalmente eliminam essas células doentes. No entanto, esse sistema pode falhar devido a predisposições genéticas ou fatores ambientais, como alimentação inadequada, sedentarismo, tabagismo ou consumo excessivo de álcool. “Nas últimas décadas, essa interação com fatores ambientais tornou-se ainda mais desfavorável, o que pode estar ligado ao aumento da mortalidade pela doença”, explica o especialista.
pesar dos números alarmantes, Fabiana Makdissi, líder do Centro de Referência dos Tumores de Mama do A.C. Camargo Cancer Center em São Paulo, enfatiza que o diagnóstico precoce do câncer de mama pode resultar em até 98% de chances de cura. Essa informação sugere uma das principais hipóteses para o aumento da mortalidade nos últimos 22 anos: a doença tem sido frequentemente diagnosticada em estágios avançados.
Fabiana observa que as sociedades médicas têm trabalhado para estabelecer que o início da mamografia, considerada o melhor método para o diagnóstico precoce do câncer de mama, seja recomendado a partir dos 40 anos. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) e o Ministério da Saúde recomendam o procedimento a partir dos 50 anos. Maira Caleffi acrescenta que muitas mulheres enfrentam o câncer de mama durante anos sem suspeitar, descobrindo a doença apenas ao buscar atendimento de emergência. “É comum que esses casos já estejam em estágio avançado, com cinco anos ou mais de evolução quando finalmente diagnosticados”, destaca.
O estudo revelou que a maioria das mortes por câncer de mama ocorreu entre mulheres com menor nível educacional, especificamente aquelas que completaram até sete anos de estudo. Nesse grupo, foram registradas 8.311 mortes, representando um aumento de 189% em comparação aos 2.879 óbitos entre mulheres que possuíam 12 anos ou mais de educação formal. Os especialistas ressaltam que esses dados evidenciam a relação entre taxas de mortalidade e determinantes sociais.
Fabiana enfatiza a importância de reconhecer as mulheres por trás dos índices de mortalidade levantados pela Umane. Muitas residem em áreas remotas e enfrentam dificuldades no acesso aos serviços de saúde e na realização de exames de rastreio. “Quando o diagnóstico ocorre, frequentemente há uma lacuna significativa entre os tratamentos oferecidos pelo Sistema Únco de Saúde (SUS) e aqueles disponibilizados por operadoras de saúde”, destaca a médica.
Werneck ressalta que, embora o SUS represente uma conquista importante para o Brasil, a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, especialmente em casos de câncer em estágios avançados, muitas vezes são inferiores aos da rede privada. Além disso, a qualidade dos serviços pode variar consideravelmente entre os diferentes estados do país. “Essa discrepância tem diminuído, mas, devido aos custos das novas tecnologias, ainda existem muitas diferenças enre os serviços ofertados”, conclui o especialista.
Os especialistas destacam que várias estratégias de prevenção do câncer de mama incluem a adoção de hábitos alimentares saudáveis, a prática regular de exercícios físicos, a cessação do tabagismo e a moderação no consumo de álcool. Contudo, enfatizam que o rastreamento é uma abordagem fundamental. Até o momento, a mamografia permanece insubstituível, embora em alguns casos o ultrassom e a ressonância magnética também possam ser necessários.
Maira Caleffi recomenda que os exames de rastreio sejam iniciados mais cedo, especialmente para aqueles com histórico familiar de câncer de mama, independentemente de ser em mulheres ou homens, ou de tumores bilaterais. Nesses casos, a realização de exames antes dos 40 anos pode ser crucial para a identificação precoce da doença. “Embora o aconselhamento genético forneça diretrizes valiosas, nem todos têm acesso a essa opção”, observa.
Além disso, a especialista destaca a importância do acompanhamento médico e da complementação da mamografia com exames clínicos, especialmente em mulheres mais jovens, onde a mamografia pode apresentar limitações. “As mamas mais jovens costumam ser mais densas, o que dificulta a visualização de nódulos”, explica.
Quanto ao autoexame, Maira considera-o importante, mas ressalta que não deve ser a única estratégia utilizada, pois pode proporcionar uma falsa sensação de segurança e dificultar o diagnóstico precoce. “O autoexame deve ser complementado com exames de rastreio, mas não pode ser negligenciado, pois representa uma forma crucial de autoconhecimento sobre o próprio corpo”.
Fonte: Estadão
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