Aos 80 anos, o aposentado Amilton Cardoso de Castro continua dirigindo e, inclusive, diz ser o ‘motorista de aplicativo’ da família: ele pretende renovar sua CNH que tem mais 14 meses de validade e diz que ainda se sente muito bem conduzindo um carro (Kamá Ribeiro)
Aos 80 anos, o aposentado Amilton Cardoso de Castro continua dirigindo e, inclusive, diz ser o ‘motorista de aplicativo’ da família: ele pretende renovar sua CNH que tem mais 14 meses de validade e diz que ainda se sente muito bem conduzindo um carro (Kamá Ribeiro)
Dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) revelam uma particularidade no trânsito campineiro: 414 motoristas com mais de 100 anos estão habilitados para circular pelas ruas e avenidas da cidade. Somente na população idosa, Campinas contabiliza 147.185 motoristas a partir dos 61 anos. Isso significa que considerando 16 cidades da Região Metropolitana de Campinas, a cidade tem o equivalente a 44% do total de condutores “mais experientes”. Na região, são 334.004 condutores com mais de 61 anos. Levando em conta somente os habilitados com mais de um século de vida, o município concentra 56% do total dessas cidades, que chega a 739 motoristas. O levantamento do Detran não tabulou as estatísticas de quatro das 20 cidades da RMC: Engenheiro Coelho, Holambra, Morungaba e Santo Antônio de Posse.
De acordo com as estatísticas do Detran-SP, do total de 147.185 condutores com mais de 60 anos, Campinas conta com 3.589 motoristas habilitados na faixa etária de 91 a 100 anos. A cidade abriga ainda 14.957 habilitados entre 81 e 90 anos, 42.491 motoristas de 71 a 80 anos e a concentração de 85.734 motoristas na faixa de 61 a 70 anos.
A população idosa apta para o trânsito campineiro corresponde a 20,3% de todos os motoristas da cidade, 723.165 pessoas. As demais faixas etárias contabilizam 575.980 motoristas.
EXPERIÊNCIA NO VOLANTE
Morador do Parque Xangrilá, em Campinas, José Alberto Macedo Nogueira, completou 72 anos no último domingo (28), e a vida de motorista continua com tranquilidade. “Nasci e moro em Campinas, no Parque Xangrilá. Dirijo diariamente sem problema. Dirijo por toda a cidade. Se o tempo permitir, irei para São Vicente.”
Para José Alberto, a pior parte do trânsito de Campinas se trata do que classificou de "falta de respeito de motociclistas". “As motos, os motoqueiros, (são a parte mais complicada do trânsito de Campinas). Tenho habilitação para tal, sou motociclista, mas hoje tenho apenas carro”, contou o condutor ao mencionar que vê motocicletas “na contramão da legislação de trânsito”.
O aposentado Amilton Cardoso de Castro, de 80 anos, morou por anos em Campinas e hoje vive no bairro Bom Retiro, em Paulínia. Recentemente, ele fez uma viagem de 800 quilômetros entre Santa Catarina e Paulínia. “Eu vim dirigindo. A minha nora fala que eu sou o motorista de aplicativo dela. Eu me sinto bem dirigindo, assim como há mais de 20 anos. Nós não sabemos o dia de amanhã, mas enquanto puder e estiver bem, vou dirigindo. O médico fez meus exames, um check-up e está tudo bem”, comentou. A validade da CNH de Amilton é até março de 2025 e ele pretende renovar.
O advogado especialista em trânsito, mobilidade e segurança viária, Renato Campestrini, avaliou os dados campineiros como “interessantes”. Ele pontuou o período menor para renovação de CNH para idosos e explicou que a tendência é ter cada vez mais motoristas com idade avançada no trânsito.
“O envelhecimento da população é algo que vem sendo demonstrado ao longo dos anos pelas pesquisas realizadas pelo país, pelos últimos indicadores do IBGE. A tendência é termos cada vez mais pessoas idosas conduzindo, uma vez que a longevidade do brasileiro tem aumentado. O que acontece é que toda pessoa idosa tem que renovar a sua habilitação em um prazo inferior aos demais condutores, no caso a cada três anos. Então, a cada três anos o médico atesta, ou mesmo pode dar até um período menor dependendo do que for identificado durante a renovação da CNH. Todas essas pessoas, que estão em idade avançada, possuem uma Carteira de Nacional de Habilitação ativa, possuem condições mínimas de se conduzir um veículo. É certo que com o passar do tempo, com a idade, há uma perda no reflexo, a visão já não é mais aquela de outrora, então tem de se cercar de alguns cuidados. As pessoas idosas já adotam esse comportamento. Estando perfeitamente habilitadas, nada impede que elas possam circular com seus veículos pelas vias da cidade. É uma tendência cada vez maior pessoas idosas na condução de veículos automotores, não só de quatro, mas também de duas rodas, como temos visto muitas pessoas nas rodovias utilizando suas motocicletas para lazer”, analisou.
RISCOS
Professor aposentado da Unicamp e especialista em trânsito, Celso Arruda mencionou que há alguns riscos na autorização para idosos com idades mais avançadas.
“Infelizmente, isso é verdade (o número de 414 motoristas acima de 100 anos em Campinas). É um absurdo. As velocidades no Centro da cidade são baixas, então o risco do motorista idoso se machucar é muito pequeno, mas acontece que (há casos em que) atropelam, batem o veículo, pegam motociclista, batem em carros do lado, não percebem se a pessoa está abrindo a porta. Como é que autorizam idosos com idade tão avançada a continuar dirigindo? Não fazem mais o teste de esforço de braço, é meramente o exame visual, é escandaloso”, criticou. “Andam bem devagarzinho e (causam) colisão traseira.”
“Conheço uma pessoa de 86 anos de idade que foi autorizada a dirigir por mais três anos quando tinha 85 e agora tivemos que intervir no assunto. Você não consegue impedir que um parente de 90 anos pare de dirigir. Não existe outro processo que se casse a carteira da pessoa por idade sem interditá-la”. Celso Arruda disse que “a culpa é dos médicos do Detran” que aprovam os exames e citou algumas dificuldades que pessoas com idade avançada enfrentam, como “déficit de atenção e reações mais lentas”. “Jogador de tênis tem que parar de jogar quando fica mais velho. Eles perdem a sensibilidade de ver tão rápido aonde a bola vai. Com os idosos nessa idade acontece a mesma coisa.”
Para Arruda, “dirigir não é direito, é privilégio concedido para quem tem condições físicas e intelectuais de conduzir um veículo”. Aos 75 anos, o professor aposentado da Unicamp admitiu que vai chegar a sua hora de parar de dirigir.
“Eu gosto de dirigir, é como andar, mas vai chegar uma hora que vou ter que abrir mão. Já noto que as minhas reações são piores que 15 anos atrás. Tenho dificuldade para estacionar o carro, dirigir com sono. Eu tenho certa consciência disso.”
RENOVAÇÃO
O prazo de validade da habilitação varia conforme a idade do condutor. Motoristas com até 50 anos possuem 10 anos. O grupo de 50 a 70 anos tem cinco anos e para as pessoas acima dos 70 anos a validade do documento cai para três anos. O prazo para renovar a CNH depois do vencimento é de 30 dias.
RETRANCA
O Departamento Estadual de Trânsito (DetranSP) informou que as 16 cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) incluídas no levantamento ganharam, ao todo, 150.443 novos motoristas ano passado. Campinas concentra um terço dos novos motoristas, com 49.908 iniciantes.
Em relação a 2022, o volume de novos condutores disparou 158,2%, uma vez que no período foram 58.242 novas habilitações nas cidades consideradas no levantamento. Em Campinas, a alta em relação a 2022 é de 162,7%, quando 18.993 motoristas novos “ingressaram” no trânsito local. A quantidade de novos condutores na região supera, por exemplo, a soma das populações de Monte Mor e Nova Odessa.
Os dados sobre o perfil dos motoristas campineiros também mostram que a maioria dos condutores locais pertence a faixa de 36 a 45 anos, somando 180.922 habilitados, seguida pela faixa de 26 a 35 anos, com 146.190 motoristas. A faixa etária de 51 a 60 anos ocupa o terceiro lugar, com 119.682 motoristas. Em contraste, a faixa de 18 anos apresenta o segundo menor número de motoristas, à frente apenas da faixa etária de idosos acima dos 100 anos, registrando 1.138 pessoas.
O volume de novos condutores em Campinas chamou a atenção da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec), que defende uma análise mais detalhada do assunto para dimensionar o impacto no trânsito e possíveis novas medidas visando a segurança viária.
Segundo o Detran-SP, a região possui mais de 1,9 milhão de condutores, sendo a faixa etária de 36 a 45 anos a que agrega o maior número, com 476.917 condutores, seguida pela faixa de 26 a 35 anos, com 414.468 condutores.
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